segunda-feira, 23 de abril de 2012

D. DANIEL GOMES JUNQUEIRA, BISPO DE NOVA LISBOA (HUAMBO), ANGOLA

Em Janeiro de 2005, o Mons. Manuel Amorim falou aos microfones da Rádio Onda Viva sobre o grande Bispo de Nova Lisboa, hoje Huambo, o primeiro da diocese, que foi D. Daniel Gomes Junqueira, natural da Estela. Vítima da República, o jovem Daniel Junqueira teve de estudar em diversos países europeus. Depois, voltou e foi um notabilíssimo sacerdote e um bispo que desenvolveu e promoveu uma acção missionária tão espantosa que mal dá para crer.
O Monsenhor seguiu de perto um texto que que tem a assinatura do P.e Dr. Francisco João Marques; terminou porém a alocução com um testemunho pessoal sobre D. Daniel Junqueira, que ele conheceu.
A Enciclopédia Verbo traz uma breve notícia sobre este bispo.

D. Daniel Gomes Junqueira nasceu na Estela em 11 de Abril de 1894, filho de Manuel Gomes Junqueira, marinheiro, e de Inês Martins. Em 28 de Setembro de 1907, finda a instrução primária na sua aldeia natal, matriculou-se no Seminário das Missões do Espírito Santo, na Formiga, Ermesinde. Os alunos desse seminário iam às aulas aos liceus do Porto e o nosso jovem, fez o terceiro ano com distinção, quando chegou a República. A primeira República, vesga, mandou fechar os seminários e os colégios das Ordens Religiosas. Foi então para o estrangeiro, onde fez a sua formação.
Em 11 de Novembro de 1910, matriculou-se no Instituto Livre de Saint Pé de Biorre, nos Baixos Pirenéus, próximo do Santuário de Lurdes. A 4 de Julho de 1911, seguiu para a Bélgica, frequentando a Escola Apostólica de Gentinnes, onde concluiu os estudos secundários em 11 de Julho de 1913. Em 18 de Setembro daquele ano, entrou no noviciado da Congregação do Espírito Santo, em Chevilly, próximo de Paris. Mas em 15 de Agosto de 1914, por motivo da invasão alemã, o noviciado foi transferido para a abadia de Langonnet, na Bretanha, departamento e diocese de Vannes. Tendo terminado o noviciado, aí professou no dia 18 de Outubro de 1914 e logo frequentou o curso de Filosofia e de Teologia. Fez votos perpétuos em 5 de Outubro de 1918 e foi orde­nado sacerdote em 28 de Outubro desse mesmo ano, por Mgr. Shananham, Bispo Missionário irlandês, da Congregação do Espírito Santo. Feita a Consagração ao Apostolado no dia 13 de Julho de 1919, foi colocado como professor de Francês e de Inglês na Academia de Línguas de San Atilano, em Zamora, Espanha, dirigida pelos padres do Espírito Santo.
A 8 de Maio de 1920, regressa a Portugal e é nomeado professor e ecónomo na Escola Missionária do Espírito Santo em Braga e em 1922, professor de Escritura Sagrada e Dogma no Seminário Maior do Espírito Santo em Viana do Castelo; em 11 de Julho é director do Colégio das Missões de Santo Tomás de Aquino em Braga; em 2 de Outubro de 1928, superior e director do Seminário das Missões do Espírito Santo em São José de Godim, na Régua, sendo ao mesmo tempo pároco da freguesia e director espiritual do Semi­nário de Lamego. Durante dez anos, ocupando as tardes, dedicou-se muito à pregação e correu essa região e a parte norte do país.
Em 10 de Junho de 1938, o Papa Pio XI nomeou-o Prefeito Apostólico do Cubango, em Angola, e Vigário-Geral do Huambo, lugar vago pela morte de Mons. Keiling, falecido no ano anterior. Seguiu em 24 de Novembro de 1938 para Angola e entretanto o Papa Pio XII nomeou-o em 7 de Janeiro de 1941Administrador Apostólico das novas dio­ceses de Nova Lisboa e de Silva Porto, criadas pela Bula Solemnibus Conventionibus, de 7 de Maio de 1940, fruto do acordo missionário entre Portugal e a Santa Sé.
D. Daniel é sagrado bispo de Nova Lisboa no dia 1 de Junho de 1941, na Catedral de Luanda, no dia 1 de Junho de 1941, por D. Moisés Alves Pinho, Arcebispo de Luanda, ficando também com o cargo da diocese de Silva Porto, até ser nomeado para esta D. Américo dos Santos Silva, natural de Guilhabreu, freguesia do concelho de Vila do Conde. Em Nova Lisboa, organizou a diocese, que era enormíssima, percorreu esse território, criando missões e muitas paróquias.
Até ao Acordo Missionário havia em Angola apenas duas dioceses, a Diocese de Luanda e a Diocese do Congo.
Vamos ouvir um testemunho de um homem que conheceu bem acção de D. Daniel Junqueira, Mons. Alves da Cunha: chama-lhe o “Bispo do deserto”. Quando Norton de Matos — homem de horizontes largos que lançou as estruturas do futuro de Angola — chegou a Nova Lisboa só se via estepe.
Por ocasião da morte de D. Daniel Junqueira assim descreve o jornal da arquidiocese de Luanda, O Apostolado, de 1 de Julho de 1970, todo o seu labor mis­sionário:
“À data da criação da diocese havia nos quatro distritos administrati­vos que formavam o seu território — Huambo, Benguela, Huíla e Moçâmedes — 11 paróquias e 23 missões, das quais 4 paróquias e 9 missões nos distritos do Huambo e de Benguela. As restantes (nos distri­tos da Huíla e de Moçâmedes) passaram para a diocese de Sã da Ban­deira, criada em 27 de Junho de 1955.
O pessoal missionário constava de 77 sacerdotes, dos quais 8 secu­lares (1 africano) e 69 da Congregação do Espírito Santo. As Irmãs re­ligiosas eram 84, sendo 52 de S. José de Cluny, 24 de Santa Doroteia e 8 do Santíssimo Salvador.
De 1941 a 1964 foram criadas 16 novas paróquias (9 no Huambo e 7 em Benguela) e 24 missões (12 em cada um destes distritos). Há ainda a acrescentar os vários colégios religiosos, o mosteiro dos Monges Trapistas da Bela Vista, duas escolas de formação de professores, a casa dos rapazes, a Obra da Rua, etc. Os seminários tomaram-se flores­centes e Nova Lisboa conseguiu formar um clero local dos mais numero­sos das dioceses africanas.
No fim de 1969 funcionavam 509 escolas primárias com 35.506 alunos; 2 escolas normais com 349 alunos, 10 colégios liceais com 1.956 alunos; 3 seminários com 371 seminaristas menores e 66 maiores; as escolas de catequese eram 5.175 com 405.000 alunos; internatos masculinos, 34, com 4.166 alunos; internatos femininos, 33, com 2.648 alunas; creches, 12, com 270 crianças. A assistência sanitária era ministrada em 7 mater­nidades, 10 hospitais e 34 dispensários; só no ano de 1969 foram feitos 1.288.272 curativos.
A diocese tinha, até à criação da diocese de Benguela (em Junho de 1970), uma população de cerca de milhão e quinhentos mil habitantes, 900 mil católicos, [55 mil catecúmenos, 200 mil protestantes e 320 mil pagãos]. Sacerdotes, 171: 69 do Espírito Santo; 14 de La Salette; 29 seculares europeus; 49 seculares africanos. Irmãos, 102, sendo 27 afri­canos; Irmãs, 204, sendo 46 africanas.
Com ser a mais pequena em área (69.560 km2, contando ainda com o distrito de Benguela), a diocese de Nova Lisboa era de todas as de Angola a que contava maior número de católicos, de sacerdotes, de auxiliares e de obras missionárias e de organismos católicos, justamente considerada como uma das mais pujantes de toda a cristandade africana. Para tanto muito contribuiu o trabalho, o exemplo, a bondade, o zelo esclarecido do seu primeiro Bispo, D. Daniel Comes Junqueira.
A sua acção apostólica de 29 anos não se pode evidenciar numa breve resenha, nem os números e dados estatísticos sabem ou podem represen­tar a multiplicidade das obras, fruto da bondade do seu coração e da actividade do seu zelo apostólico, traduzidos na vida cristã e no movimento de sacramentos dos seus fiéis diocesanos.
Foi, na verdade, um grande Bispo missionário: assíduo nas visitas pastorais; deixando trabalhar e encorajando ao trabalho; animando o espírito de iniciativa dos seus missionários. A sua acção episcopal de 29 anos revela ainda uma perseverança sem quebra, uma vontade sempre alerta, um dom de si mesmo em totalidade à Igreja.
Consciente de que nas obras de Deus e da Santa Igreja não deve haver estreiteza de vistas, mas tudo se deve dispor para que o reino de Deus se dilate e as almas cheguem mais facilmente ao conhecimento da redenção, tudo dispôs e tudo fez para que uma nova diocese surgisse em Benguela, para benefício das numerosas cristandades daquele distrito e mais eficiente evangelização, encontrando-o a notícia da nova diocese prostrado no leito da sua longa e dolorosa agonia.
Segundo o historiador espiritano, P.e António Brásio, o bispo D. Da­niel Junqueira foi um prelado missionário que se entregou “totalmente, modestamente, numa doação que é imolação de toda a hora, à salvação do seu rebanho, à doutrinação do seu rebanho, sem dar nas vistas, sem procurar fanáticos admiradores, sem se meter em problemas que o su­peram e não lhe dizem respeito”, acrescentando: “a sua obra aí está a falar por si e por ele...”
Em 1966, festejou o Prelado o seu jubileu episcopal e recebeu do Papa Paulo VI uma carta autógrafa, elogiando o seu “religioso cuidado, esclare­cida prudência e ardente zelo”. Na verdade, duas preocupações o atormen­tavam: a conservação de uma grande cristandade já criada e a pregação do Evangelho entre os que o não conheciam. Chegou até a confessar: “São eles mesmos, os gentios, que vêm em embaixada pedir-me missionários; e prometem que farão a casa para os padres e a igreja e a escola; e também os católicos me pedem novas missões, para não terem que per­correr dezenas de quilómetros para cumprir os deveres religiosos. E eu sou obrigado a dizer que não tenho padres. Custa muito!”
Ao longo de quase três décadas de fecundo apostolado pôde ver Nova Lisboa tornar-se um importante centro de cultura eclesiástica e civil, os seminários providos de alunos, as ordenações de sacerdotes indígenas crescerem e aumentarem em ritmo crescente, as missões e paróquias, religiosas e fiéis.
Afável, humilde, magnânimo e desprendido dos bens materiais, de grande adesão à Igreja e ao espírito conciliar, tomara por divisa In do­mino confido, «Confio no Senhor», e soube vivê-la até à morte. O seu tes­tamento é o mais eloquente reflexo da bela e generosa alma com que Deus o dotou.
Vitimado por grave doença, faleceu a 29 de Junho de 1970, com 76 anos, no Hospital Universitário, sendo os seus restos mortais transferidos para Nova Lisboa (Huambo) e tumulados na Catedral arquidiocesana.
D. Daniel vinha a Portugal e passava algum tempo na Estela. Numa dessas visitas, eu estive com ele: fez um elogio do meio onde estava, daquela região. Também tenho uma agradável impressão desse bispo: pareceu-me realmente um homem de Deus, integrado na sua vocação missionária e serviço das Igreja. Por sua influência formam para lá padres da Aguçadoura e da Estela e lá trabalharam na sua diocese: ele recebia-os de braços abertos.
D. Daniel deixou-me uma grata memória, foi um grande missionário em Angola, honrou a sua terra, honrou a Igreja. Deixou uma saudade imensa. Foi um homem exemplar.


Inscrição latina do túmulo de D. Daniel Gomes Junqueira, na Catedral do Huambo

HIC IACET DOMINUS DANIEL GOMES JUNQUEIRA PRIMUS EPISCOPUS DIOCCESIS NOVAE  LISBONENSIS NATUS IN STELA POVOA DE VARZIM DIE 11-4-1894 PIE ET SANCTE OBIIT DIE 29-6-1970
R.I.P.

Em português: Aqui jaz D. Daniel Gomes Junqueira, primeiro bispo da Diocese Nova-Lisbonense; nascido na Estela, Póvoa de Varzim, no dia 11 de Abril de 1894, faleceu piedosa e santamente no dia 29 de Junho de 1970.
Que descanse em paz.


Imagens - D. Daniel Junqueira e uma notícia sobre ele saída num jornal da Póvoa.

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